"Uma resposta fascista aos seus eleitores" (português)
Leila, você poderia se apresentar?
Eu me chamo Leila Pereira Daianis, nasci no Brasil 54 há anos, e a minha família é toda de Pernambuco, Nordeste Brasileiro. Formei-me na Universidade de São Paulo — USP, em Filosofia e Letras, mas me especializei em Mitologia Grega e Teatro.
Vivo em Roma, Itália, há trinta anos e me dedico aos problemas sociais das mulheres e, sobretudo da população GLBTS (Gays, Lésbicas, Bissexuais,Transexuais e Simpatizantes). Sou também atriz de teatro e uso o método do Teatro do Oprimido (atualmente Teatro Fórum). O último trabalho que fiz na Itália foi o Mito de Medéia, de Eurípides. A adaptação moderna é minha e do diretor Gianluca Bottoni — "Olá Medéia" é nome da nossa versão da peça.
Faço parte, como coordenadora na Itália, da Rede de Brasileiras e Brasileiros na Europa.
De qual organização você participa, e como?
Faço parte da Associação Libellula que se ocupa dos problemas de identidade de gênero e oferece assistência médica, psicológica e jurídica aos transexuais femininos e masculinos. Ultimamente a nossa Associação se ocupa também dos problemas das mulheres e dos imigrantes.
Você poderia nos atualizar sobre como os imigrantes estão sentindo a nova Lei do Berlusconi contra os imigrantes?
A lei não é nova e não é do Berlusconi, acontece que a lei já existia e era denominada Lei "Bossi/Fini". O primeiro sobrenome é o do líder do Partido Liga Norte e o segundo é o sobrenome do atual presidente da Câmera dos Deputados do governo Berlusconi. Enquanto o governo era de centro-esquerda procuravam modificá-la, porque era considerada inconstitucional até mesmo pela Corte Européia. Dessa forma, ela não vinha aplicada por completo. No entanto, o atual governo de centro-direita faz tudo para que essa lei venha aplicada rigorosamente.
O fato que o governo Berlusconi seja de direita, tendo de oferecer uma resposta fascista para os seus eleitores, é exemplificado no fato de que no início do mês de agosto 2009 foi apresentado um decreto-lei para que a lei "Bossi/Fini" venha aplicada integralmente. E todos os estrangeiros que não são portadores de visto serão considerados ilegais, e essa ilegalidade é crime. As pessoas, depois de serem controladas pela polícia, em caso de condição de ilegalidade serão levadas para o CIES (Centro de Investigação e Expulsão), onde ficarão detidas por pelo menos trinta dias e no máximo noventa dias (até o processo), e após o julgamento serão expulsas. Caso a pessoa identificada tenha duas expulsões o juiz a condenará de três a oito meses de prisão ou a uma multa de 15.000 euros.
Como essa lei foi sentida pelos imigrantes? Como está a atmosfera entre os imigrantes?
E' lógico que frente a uma lei assim rigorosa, as pessoas honestas têm medo, e se são ilegais, vivem escondidas. Na minha opinião é uma lei muito racista.
Como é utilizada a expressão "extracomunitário" pelos italianos? Eu gostaria, com isso, de abordar a questão da definição de grupos/minorias aplicada pelas maiorias / opinião pública, como o "movimento negro" no Brasil (chamado "Black" nos Estados Unidos), e o termo "imigrante" para os imigrantes (e não estrangeiros); existe essa discussão na Itália?
Os "extracomunitários", se vivem no país legalmente, são vistos de uma maneira diferente, e normalmente os estrangeiros são reconhecidos pela cor da pele ("o negro", "o chinês" ou "o marroquino") e existem também os "ciganos" — a maior parte deles é de origem romena. Usam esses termos porque identificam a nacionalidade com a criminalidade. Embora possa ocorrer que alguns imigrantes tenham cometido crimes terríveis como estupros ou homicídios, mas a maioria deles são pessoas trabalhadoras e honestas. Com essa lei, os ilegais são chamados de "clandestinos" e considerados criminosos. Como também, não podem denunciar os patrões, são explorados no trabalho e vivem como escravos, fazendo o que aqui é chamado de "lavoro nero" (trabalho clandestino).
Na Itália não existe uma discussão sobre a definição aplicada. Os italianos, povo de emigrantes, têm medo do estrangeiro e tem medo de perder o trabalho. Por outro lado, não querem fazer o trabalho humilde ou cultivar a terra, então são obrigados a recorrer ao trabalho dos imigrantes.
Ultimamente foram presos tantos imigrantes ilegais que os CIES de toda Itália não são mais suficientes para acomodá-los; o número das pessoas detidas é superior à capacidade instalada. As prisões também estão lotadas e não têm mais lugares – tanto que os guardas penitenciários fizeram recentemente uma manifestação, insatisfeitos por serem tão poucos para vigiar tantos presos.
A atual emergência do Governo é construir novas prisões, mas Berlusconi diz que o Estado não tem dinheiro – no fim, fica tudo como está. E como dizem os próprios Italianos: "Isso aqui é uma palhaçada".
Leila, existe mais alguma coisa que você gostaria de dizer para nós que não foi abordada nas perguntas anteriores?
Eu acho que a situação real é essa que discutimos, e as leis acabam sendo modificadas constantemente porque às vezes é simplesmente impossível aplicá-las no contexto real.
Muito obrigada pela entrevista.
Entrevista realizada: Cristiane Tasinato