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Fim da linha (português)

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Entrevista com Mario Geremia

Como e quando começou a imigração coreana para o Brasil e por que esses trabalhadores direcionaram-se para a indústria têxtil?

A imigração coreana tem seu início nas décadas de 1960 e 1970 com a chegada dos primeiros grupos, atendidos e acolhidos naquele período pela obra missionária Scalabriniana da Igreja da Paz. Na cidade de São Paulo, particularmente, encontraram um mercado de confecção desorganizado, informal e clandestino, passando a integrá-lo como prestadores de serviços, assim como já vinha acontecendo com outros grupos migratórios.

A partir de quando, e como, se deu a imigração boliviana?

Os bolivianos, desde as décadas de 1970 e 1980 até os dias atuais, estão substituindo a mão-de-obra coreana nesse nicho de mercado, submetidos à continuidade do sistema de trabalho informal e clandestino e às condições superexploradoras decorrentes dele, muitas vezes em piores situações que seus antecessores. Ainda que nos últimos cinco anos uma grande parcela tenha tido a oportunidade de legalizar sua situação de permanência e a situação laboral,do conjunto não mudou muito e a qualidade das relações trabalhistas segue péssima, sendo comuns jornadas exaustivas de até 18 horas diárias. O salário médio desses trabalhadores está entre US$ 70 e US$ 200/mês. Tal variação tem origem no “trabalho por produção”: quanto mais se costura, mais se ganha.

Quais as características dessa massa imigrante? Que gênero prevalece em quantidade: mulheres ou homens?

A maioria dos imigrantes bolivianos é jovem e ex-agricultora, proveniente das grandes cidades da Bolívia, nas quais já fizeram a primeira experiência de migração da área rural para a urbana. Atualmente temos famílias completas, nas quais aproximadamente 40% são mulheres. Também temos a presença de muitos idosos que acompanharam seus filhos, em busca de melhores oportunidades de tratamento para seus problemas de saúde pois hoje todos os imigrantes, legalizados ou não, recebem o mesmo tratamento oferecido aos brasileiros.

Qual é a condição de trabalho desses imigrantes: acesso a direitos trabalhistas, à assistência de saúde etc.?

Os direitos trabalhistas e de cidadania são inexistentes, e ainda não conseguimos realizar a implementação de um pacto para o trabalho decente na confecção, assinado por nós do Centro Pastoral do Migrante em conjunto com outras dez instituições . Entre as legalizações migratória e trabalhista, a distância é muito grande. Some-se a isso a questão cultural, que é bastante forte. Pelo seu modelo de produção na Bolívia, onde não há carteira de trabalho e onde as tarefas são realizadas em comunidade ou em família no mesmo espaço e ambiente, eles se distanciam de nossa regulamentação trabalhista reproduzindo aqui seu modus operandi de origem.
Existe muito a se fazer para a organização dessa cadeia produtiva, sendo necessário diálogo com todos os níveis de poder. Temos que responsabilizar também os grandes magazines que são clientes dessas confecções, assim como os fornecedores de matérias-primas, porque todos têm seu grau de responsabilidade dentro desse processo. Não seria justo culpabilizar as vítimas de um sistema iníquo de produção. Para o próximo ano, acredito na viabilidade do acordo entre todos os elos dessa corrente.
Em relação ao acesso aos serviços públicos, há garantias constitucionais de atendimento a todas as pessoas, mas o medo e a insegurança gerados pela falta de documentos e, sobretudo, pela diferença étnica que os torna alvo fácil de discriminação, os impede de procurar ajuda. Os funcionários dos sistemas públicos não estão suficientemente esclarecidos sobre o tratamento que deveriam dispensar aos imigrantes. Aqui, também, há muito trabalho pela frente.

Quais são as instituições que fornecem assistência a esses imigrantes? Qual o papel do governo?

Quem de fato acompanha e assiste aos imigrantes são Igrejas e organizações não governamentais (ONGs). O governo limita-se à questão legal e aos serviços básicos de saúde, educação, transporte etc. O imigrante precisa de uma relação de confiança estabelecida para aproximar-se e pedir ajuda. A Pastoral do Migrante tem se mostrado o espaço mais confiável, onde eles buscam todo tipo de ajuda e de informação segura.
Chegamos ao limite, em termos de recursos, e nosso cotidiano está sobrecarregado por solicitações, especialmente neste momento. Estamos implementando o acordo Brasil-Bolívia . Houve a anistia e, agora também, surgiu o acordo de residência do Mercosul com o Chile e a Bolívia.
Queremos favorecer o máximo de espaço e tempo para a auto-organização e o para o protagonismo dos imigrantes – assim eles poderão começar a falar e a exigir seus direitos. A “4ª Marcha do Imigrante”, no dia 13 de dezembro passado, fez parte desse planejamento. Trabalhamos muito com o tema da cultura e da integração em várias dimensões, e apontamos sempre para a cidadania universal.

Como a recente crise financeira mundial repercutiu na indústria têxtil e consequentemente no trabalho dos imigrantes?

A crise financeira mundial repercutiu fortemente no ramo da confecção e da moda e muita gente voltou para o país origem ou imigrou novamente à procura de uma situação melhor, pois o imigrante quer e precisa de trabalho e dinheiro.
Isso toca no cerne da questão para eles. O sistema financeiro tenta impor ao mundo seu modelo explorador, concentrador e consumista, obrigando milhões de seres humanos a migrar em busca de condições dignas de vida. É necessário repensar o futuro e o sistema econômico injusto nascido das atuais relações entre capital e trabalho, pois a crise parece ser bem mais profunda – é uma crise ambiental, de civilização, de mudanças de paradigmas, de moral e ética.
Se o trabalho é um direito universal, ninguém poderia impedir o outro de trabalhar. É um direito humano inalienável ao qual todos devem ter acesso. Os grandes capitalistas e investidores tem de tomar consciência do estrago que estão causando a Terra e à Humanidade.
Os imigrantes estão no papel de sujeitos proféticos da Humanidade, de um lado denunciando a prevalência de um sistema injusto e de outro anunciando a urgência de um outro mundo possível. E necessário.


Entrevista realizada por Cristiane Tasinato



Para mais informação: Caciamali, Maria Cristina e Azevedo, Flavio Antonio Gomes de: “Entre o tráfico humano e a opção da mobilidade social: A situação dos imigrantes na cidade de São Paulo.” (pdf document).

Mario Geremiais a Scalabrian missionary, coordinator of the Migrant Pastoral Center in São Paulo, and vice-coordinator of the House the Migrant. He has worked with migrants in Argentina, Guatemala, Canada, and in the last five years in São Paulo. From 2000 to 2005 he worked in Curitiba, Brazil, where he founded and coordinated the Migrant Pastoral Center in Curitiba.